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Sobre cordas, amores e laços

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Eduardo chegou em casa aflito por conta de um amigo. Afoito. Ansioso. Olhos arregalados. Mãozinhas frias. Sem fome. Todos os clássicos sintomas da ansiedade, da agonia. Conheço-os bem, infelizmente. Disse-me que não sabia se o amigo gostava dele. Eu, tentando entender a situação, para poder ajudá-lo, comecei um diálogo:

– “Por que você acha que ele não gosta de você, meu bem?” – perguntei.

– “Ele não quis jogar bola comigo hoje no pátio da escola” – respondeu já chorando um choro sentido, profundo. Aquele tipo de situação que você está segurando o quanto pode, até chegar alguém e dar um toquinho de leve na água da borda do balde, para que ela derrame.

– “Mas, ele já jogou outras vezes” – continuei na investigação.

– “Não, nunca! E também não quis jogar quando eu o convideiiiiii. Buáááááááááá” – encostou a cabacinha entre as mãos, debruçando-se na mesa da cozinha.

– “Mas, filho, vocês são amigos, certo? Já brincaram outras vezes? Sente que ele gosta de você?” – fui afundando aos poucos.

– “Sim, mamãe. Eu acho que ele é meu amigo. A gente toma lanche juntos, ele me dá o biscoito dele e eu dou morango, que ele adora. Já brincamos de hominho e de esconde-esconde, mas hoje ele não quis jogar bola comigo” – finalizou minha criança.

Pois bem, meu filho. Você tem a quem puxar. Perdoe a mamãe, por favor, por ter te passado essa bosta de crença, esse modelo de relacionamento tão carente, tão deturpado do que eu acredito como algo saudável. Racionalmente, mamãe sabe que isso tudo é um engano, mas na hora que o bicho pega meu comportamento é o mesmo que o seu, meu bem, mesmo tendo 25 anos a mais que você, minha criança. Mas, eu te aviso, filho, mamãe tá na luta. E sei que a coisa vai ficar cada vez melhor aqui dentro. Por que, na verdade, chuchu, ninguém aqui neste planeta sabe se relacionar bacana, não, viu!??! Tem uns que enganam bem, que até conseguem segurar a onda melhor do que outros. Mas, sabeeeeeer, sabeeeeer, ninguém sabe. Estamos todos no aprendizado.

Quem de nós já não achou que o outro não gosta de nós simplesmente porque não faz o que desejamos ou porque não está disponível no momento em que queremos jogar futebol?

Pois é! Eu vejo essa situação de uma forma bem imagética. Consigo visualizar uma corda bem grossa, daquelas de amarrar lona de caminhão na carroceria. Quando um relacionamento é iniciado automaticamente uma corda se cria. E falo de relacionamentos de forma mais ampla: amigos, amores, família, colegas de trabalho, parceiros de projetos. Todo relacionamento me liga ao outro por uma corda, cada um de nós em uma ponta. Por vezes nós conseguimos fazer laços lindos, que nos unem e enfeitam a nossa corda. Em outros momentos os laços acabam virando nós, que apertam. E sabe porque os laços viram nós? Por que uma das partes puxa demais a corda, como quando a gente puxa o laço do cadarço do tênis. Além do laço se desfazer, fica apenas o nozinho.

Eu tenho uma tendência fooooorte em puxar a corda. É da minha natureza. Sou das intensidades, da firmeza, das atitudes, do controle. Nasci assim, mas como não tenho a síndrome de Gabriela, graças a Deus, vou seguindo no caminho da mudança, para que não seja sempre assim, para que eu morra diferente. Na verdade, eu começo apenas segurando a corda, como o outro também está segurando. Há momentos que naturalmente alguém solta a corda. Faz parte, não significa que ele não está mais ligado a nós. Ele apenas soltou a corda, mas ela continua ali, ligando as duas pessoas. Neste momento, eu seguro firme, tensiono, puxo, me esforço muito, gasto uma energia danada para manter a corda esticadinha. Entretanto, quanto mais eu puxo a corda, mais os laços vão se transformando em nós.

Ontem eu consegui soltar a corda. Ufa! Soltei. Soltei, gente! Assim, jogando-a no chão. Em um comando eu soltei a corda. Olha, vou contar que dói soltar a porra da corda, viu!?! Que agonia. Será que a corda vai se desfazer e sumir? Será que não nos ligará mais? Será que o outro está segurando-a? Será que ele também soltou? Se sim, será que a pegará de volta? Não sei! A gente nunca sabe. Impossível saber. Não tem controle nenhum. Relaxe, nada está sob controle, por mais que você insista nessa ideia.

Entretanto, forçar a barra na corda nunca surte efeito, por que pressão e tensão não fazem nada de bonito brotar. NA-DA. Os laços são feitos para enfeitar. E a gente só quer enfeitar aquilo que achamos bonito, que amamos, que queremos cuidar. Ao que temos apreço. Nó endurece, aprisiona, amarra, embrutece.

E ao soltar a corda eu entendi que não há como prever o que o outro está fazendo com a ponta dele da corda. Puxando eu sinto que não está, por que a pressão, essa sim é sempre sentida. Não dá pra saber nada, a menos que ele fale. É como o amigo de Dudu. Será realmente que ele não gosta de Eduardo só porque não quis jogar bola naquela tarde? Será? Pode ser, mas também pode não ser!

Podem haver inúmeras razões para a criança não querer jogar bola. Ou melhor, não IR jogar bola. Por que, às vezes, teve vontade, mas não teve condições para isso acontecer. De repente ele estava cansado, triste, sentindo-se mal, com calor, com vontade de fazer outra brincadeira, não querendo ficar suado, por que mamãe deu uma bronca quando ele jogou bola da última vez, ficou suado, e entrou de volta à sala de aula. São tantas variáveis, mas tantas.

Resumir este fato a um “ele não gosta de mim” é reduzir demais a situação. E sofrer, claro! E então o lanche juntos? E o morango compartilhado? E o biscoito dividido? Tem prova de amor maior do que ofertar o seu alimento para o outro? Tem coisa mais poética numa relação do que dar um morango ao outro na hora do lanche? Tudo isso, de repente, é minimizado pelo simples fato de que naquela hora ele não jogou a porra da bola? Não, não! Há muito mais envolvido nisso.

E então, eu expliquei tudo isso a Eduardo, justamente numa noite, poucas horas depois de eu ter soltado a minha corda. Choramos juntos ali na mesa da cozinha, demos as mãos, nos abraçamos. Nós dois estávamos abalados, já tínhamos tido um chilique na hora do almoço. Trocamos as nossas dores. E meu filho de 7 anos fez com que eu trouxesse para a consciência tudo isso.

No final, eu disse a ele:

– “Quando você tiver vontade, vai lá e faz um lacinho na corda com o seu amigo. Ofereça novamente morango. Ou então, colocamos kiwi na sua lancheira e você leva pra ele. Pode ser que ele queira”.

E ele me respondeu:

– “Tá bem, mamãe, vamos fazer isso amanhã” – apontando pro kiwi que estava a nossa frente, na fruteira em cima da mesa. “Ah, e você não vai pegar a sua corda do chão?” – emendou numa pergunta pra mim.

Eu refleti, enxuguei uma lágrima, sorri com saudade e disse:

– “Sim, amor, eu vou pegar a corda. Eu sei que ela está ali. Eu a vejo e sinto ali, no mesmo lugar. Eu vou pegar a corda quando tiver certeza que do outro lado ele poderá pegar também pra gente fazer mais laços. Pode ser também que ele não a pegue de volta. Não há garantias. A gente nunca tem! Enquanto isso, deixo-a solta, liberando a mim e também a ele da pressão que eu comecei a fazer na nossa corda”.

– “Enquanto isso, mamãe, você pode brincar de pular corda” – terminou meu menino e foi pra sala ver um filme com o irmão.

É isso, Duduzinho, meu pequeno pensador. Enquanto isso eu vou pulando corda, vou brincando, vou me divertindo, vou sorrindo, vou seguindo a vida, com toda a alegria e coragem que me acompanham sempre :)

 

*Imagem: Daqui


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